Pedimos ao Miguel Maia, diretor artístico do Malacate e autor e encenador do "Caixa de Perguntas" que nos fizesse um balanço destes últimos meses de criação e preparação deste espetáculo, que reuniu habitantes da Mina, atores profissionais e uma equipa artística enorme. Eis o que nos escreveu:
"Falamos frente a frente, sem medo. Esperamos que o outro se cale para podermos dizer que sabemos. Mas o outro não se cala nunca, precisaríamos de um tempo que se vestisse de infinito para que, numa longa noite de baile, escutar o sussurro deste amor repleto de profundezas, de sombra e luz, de gotas de suor e lágrima para no fim poder dizer: isto de ser pedra com coração de pessoa é mais complicado do que parece.
Se teatro é ação, um poema o que será? Juntar palavras, falar... fará algum sentido quando há tanto por fazer? Valerá a pena atravessar uma cena, de um lado ao outro, com a cabeça cheia de sonhos e pesadelos e esperar que no final tudo faça sentido? Que no final, aqueles que observaram atentos a cena, se levantem deste lugar estranho em que suspendemos passado, presente e futuro e o abandonem sem olhar para trás? Parece que cada vez mais gente neste lugar tem as mesmas questões. Mas continua a não faltar aos ensaios…
Foram meses intensos que terminam agora com uma celebração que juntou muitas dezenas de pessoas dentro e fora do palco. Lágrimas e risos misturaram-se neste cais que já foi porto seguro de uma riqueza que vinha debaixo dos pés e que há 60 anos fechou, deixando tudo e todos em suspenso.
Mas o resfolegar de outro tipo de máquinas voltou a ouvir-se por estes dias e houve até quem comentasse que desde 1966 que não se via tamanha agitação por aqueles lados ocupados por paredes em queda contínua. Pois é, estamos a terminar este MALACATE da forma mais agridoce possível: com fortes saudades do que mesmo agora vivemos e com vontade de construir mais.
Até já?"
Mina de São Domingos, 14 de junho de 2023
Miguel Maia
Fotografias ©Sónia Godinho
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