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Entrevista com Lise Wulff








A artista norueguesa Lise Wulff, uma das parceiras do projeto MALACATE, foi Desafiada a pensar uma instalação artística para Mina de São Domingos a partir do que foi observando e conhecendo nas suas anteriores visitas. Miguel Maia esteve à conversa com a artista sobre o seu trabalho antes da vinda para a sua nova criação na Mina.



Lise, pelo que me foi dado a conhecer dos teus projetos passados, sinto que estão fortemente influenciados por uma ideia de memória, de marcas deixadas por outros. Paralelamente trabalhas com frequência com comunidades específicas para criar as tuas obras. No final, o rasto de todas essas pessoas ficam muitos presentes no trabalho, quase como um eco, parece-me. E na verdade referes-te a alguns dos teus objetos como peças de arte relacional. Preferes sempre trabalhar com outros?

Eu gosto muito de incluir outras pessoas nas minhas obras de arte. Acredito que a principal razão para isso seja o desejo de espalhar a alegria que sinto em fazer arte, e também dar às pessoas um sentimento de propriedade e até de orgulho, diria eu. Por exemplo, quando eu trabalho com crianças, vejo como ficam felizes em mostrar aos outros para qual parte de uma instalação de arte contribuíram. Quando se trata da alegria de fazer arte, acredito que está ligada a criar algo com as mãos. Criar juntos dá uma sensação boa e positiva. Cria memórias e “união”, além da própria obra de arte.

Eu também faço muitos trabalhos de arte sozinha, e é difícil dizer se prefiro a arte relacional ao invés de trabalhar sozinha. Trabalhar com outras pessoas cria um resultado diferente do que quando trabalho sozinha, porque as outras pessoas veem outras formas de fazer as coisas. Apesar de eu ter sempre um plano claro para as obras de arte relacional, estou aberta ao que está a acontecer à medida que avançamos e adoro incluir o inesperado e o não planeado que se encaixam na ideia geral.


Entretanto tens uma outra importante componente do teu trabalho fortemente influenciado pelas questões da ecologia, a que se chama eco arte. Há inclusivamente um conjunto de trabalhos teus que estabelecem uma ligação entre as preocupações ambientais e a obra O Grito de Edvard Munch. Para além disso muitas das tuas obras são povoadas por elementos orgânicos e até expostas na natureza. De que forma sentes que a arte pode ter um papel importante na sensibilização para as questões do meio ambiente?

Eu acredito que a arte pode falar sobre ecologia de uma forma diferente dos factos e números. A arte pode envolver os sentimentos de outra maneira e - espero - colocar a atenção em questões difíceis e exigentes de uma maneira mais criativa e, digamos, positiva. Com os meus projetos de arte ambiental, procuro criar consciência através de instalações visualmente interessantes. Ao mesmo tempo, as instalações têm em si algo de “errado” de certa forma, o que faz com que as pessoas reflitam sobre como tratamos a natureza e o que podemos fazer a esse respeito. Um exemplo mais concreto, é a instalação “Hesje” (estindarte de peixe) que fiz em Lofoten, na Noruega. Algumas centenas de pessoas participaram, fazendo limpezas nas praias. O lixo plástico foi então montado num estindarte de peixe, onde normalmente está o peixe pendurado para secar. Em vez de peixe, podíamos ver 3.500 objetos de lixo plástico. Isto era visualmente interessante e colorido e, ao mesmo tempo, era “errado” - deveria haver ali peixe pendurado e não plástico. Desta forma, a instalação chamou à atenção como o plástico está a ocupar o lugar do peixe nos nossos oceanos. E quando o projeto terminou, o plástico foi levado para um centro de reciclagem e algumas centenas de quilos de detritos marinhos foram retirados da natureza.



Lise Wulff: “Hesje”, Lofoten, Noruega 2017. © Roy Størkersen


Aproximando-nos mais da realidade da Mina de S. Domingos, tiveste oportunidade de visitar o local e conhecer várias pessoas desta comunidade. Também visitaste as antigas ruínas e o que resta do complexo mineiro. O que mais te impressionou?

As grandes ruínas da indústria mineira, tanto na Mina como na Achada do Gamo, são muito escultóricas e visualmente interessantes. As cores também me chamaram a atenção - as pedras roxas acastanhadas juntas com as cores amarelo ocre e o turquesa brilhante. O facto de a paisagem ainda estar muito afetada depois de tantos anos após o fim da indústria também me impressionou bastante. Demonstra o quanto nós, humanos, estamos a deixar vestígios na natureza. Dito isto, a maior influência para a minha ideia artística veio da conversa com algumas pessoas da Mina. Na verdade, essas conversas fizeram-me mudar a ideia artística. A minha primeira ideia estava fortemente relacionada a apontar para a própria indústria de mineração e, depois de conversar com a população local, senti vontade de enfatizar outras partes de Mina além da indústria de mineração. Isto levou-me à ideia do Ninho.


Sim, fala-nos dessa ideia. Desde essa tua última visita que temos falado frequentemente sobre aquela que seria a tua proposta e desde o início que te interessaste pela questão dos pássaros. Consegues falar um pouco sobre porquê escolheres o tema dos pássaros?

Durante a minha visita à Mina e aos seus arredores, e através das conversas com a população local, fiquei a saber que esta é uma zona com espécies raras de aves. Por exemplo, o andorinhão-cafre é conhecido por nidificar precisamente no território desertificado das antigas minas. Isso fez-me pensar no facto de que os pássaros podem voar para qualquer lugar, mas que estes escolhem voar exatamente para a área da Mina. Há algo de positivo nisso, como se esta fosse uma área escolhida.


E podes dizer-nos um pouco mais sobre a tua ideia?

Sim, eu queria falar sobre a vida dos pássaros na instalação artística, o que resultou na ideia do Ninho. Iremos construir uma grande forma inspirada no ninho, apontando para a área como uma zona escolhida. Além disso, traçaremos linhas para a indústria de mineração através das cores da instalação, que serão inspiradas nas cores especiais da antiga área de mineração: o roxo escuro, o ocre e o turquesa. O ninho terá cerca de 3 metros de diâmetro e será colocado ao longo da estrada principal da Mina, à entrada do lado de Mértola. Eu realmente espero que a população da Mina o receba bem e que queira participar na construção deste novo marco.


Por último queria fazer-te uma pergunta mais geral: o antigo território mineiro é, como viste, marcado por estes gigantes de pedra, vestígios decadentes mas muito impressivos do que terá sido a Mina, um local de grande agitação e uma vida efervescente. O teu trabalho escultórico por outro lado também é constituído por objetos que são deixados muitas vezes na natureza, à intempérie e são, por isso, objetos temporários. Como te relacionas com a ideia de efémero e de que forma isso transparece na tua arte?

Eu realmente agradeço a comparação que aqui fizeste, pois eu acho que os enormes restos dos edifícios industriais são como belas esculturas marcadas pelo clima e pelo tempo. É também assim que trabalho em muitas das minhas instalações ao ar livre. Eu meio que deixo o meu trabalho para a natureza e aprecio como a natureza muda a obra de arte. Entre muitos exemplos, posso citar o meu trabalho “Some day, I’ll go my own way” (Um dia, seguirei o meu próprio caminho), na Eslováquia. Eu cobri uma ameixoeira selvagem com uma rede de fios de crochê. A árvore parecia realmente capturada. Mas na primavera seguinte, pequenas folhas verdes começaram a aparecer do lado de fora da rede. Até flores e ameixas cresceram do lado de fora da rede. Depois de alguns anos, longos galhos cresceram para fora da rede, deixando a rede como uma forma estranha dentro da árvore.



Lise Wulff: “Some day, I’ll go my own way”, Eslováquia, 2011-presente. © Andrej Poliak


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